Espacios. Vol. 32 (4) 2011. Pág. 29


Aplicação e utilização da Análise do Ciclo de Vida na indústria

Aplicación y utilización del análisis de ciclo de vida en la industria

Implementation and use of life cycle assessment of the industry


3 Metodologia da ACV

A metodologia para avaliação do ciclo de vida sugerida pela norma ISO 14040 inclui quatro fases: definição de objetivo e escopo, análise de inventário, avaliação de impactos e interpretação de resultados. A iteração entre estas fases pode ser observada na Figura 2 (ABNT, 2001).  

Fonte: ABNT (2001)
Figura 2 - Fases de uma ACV

Na primeira fase, é determinado como o estudo de ACV será conduzido, sendo definido o propósito do estudo e sua dimensão, envolvendo decisões sobre a unidade funcional e os limites do sistema. Na fase de análise do inventário todos os dados necessários são levantados, coletados e analisados. Na fase de avaliação de impacto, os dados gerados na fase anterior são associados a impactos ambientais específicos, examinados e simplificados de forma que estes impactos possam ser analisados. E na última fase da ACV os resultados são interpretados de acordo com os objetivos definidos na primeira fase do estudo.

3.1 Definição do Objetivo e Escopo

O primeiro passo para dar início a ACV de um produto é a definição do objetivo e escopo do estudo. Sendo feita uma descrição do que será incluído ou não incluído no estudo. De acordo com Guinée (2001) nesta fase são feitas as escolhas iniciais que determinam o plano de trabalho da ACV e as principais características do estudo são estabelecidas.

Para a ABNT (2001) o objetivo e escopo devem declarar de forma muito clara a aplicação pretendida, as razões para conduzir o estudo e o público-alvo e ainda devem ser consistente com a aplicação pretendida. Assim, neste momento do estudo deve ser definida a função do sistema estudado, a unidade funcional, as unidades de processo e as fronteiras do sistema (PEREIRA, 2008). Cada um destes itens é definido pela ABNT (2001) como:

  • Sistema de produto: Conjunto de unidades de processo, conectadas material e energeticamente, que realiza uma ou mais funções definidas.  Assim, a função do sistema é a finalidade de uso do produto.
  • Unidade funcional: Desempenho quantificado de um sistema de produto para uso como uma unidade de referência num estudo de avaliação do ciclo de vida.
  • Unidades de processo: Menor porção de um sistema de produto para a qual são coletados dados quando é realizada uma avaliação do ciclo de vida.
  • Fronteiras do sistema: Interface entre um sistema de produto e o meio ambiente ou outros sistemas de produto.

Por exemplo, num estudo em que se pretende estudar a ACV de embalagens utilizadas pela indústria de bebidas para embalar e acondicionar os diversos líquidos comercializados, a principal função destas embalagens seria disponibilizar “com garantias de boas condições higiênico-sanitárias” as diversas bebidas aos consumidores. Neste caso, a unidade funcional estabelecida para estudo poderia ser: a disponibilização de 1000 litros de bebida aos consumidores (Silva, 2002).

De acordo com a ISO 14040 nesta fase também deve ser definida as dimensões do estudo, indicando a extensão da ACV (onde iniciar e parar o estudo), a largura da ACV (quantos e quais subsistemas incluir) e a profundidade (nível de detalhes do estudo). Sendo que estas dimensões devem ser compatíveis com os objetivos determinados no estudo.

Na prática, o escopo deve ser delimitado através de contornos (limites) no sistema, que separam o sistema estudado do meio ambiente e de outros sistemas de produto. Estes contornos devem ser ressaltados no estudo para permitir a correta interpretação dos resultados da ACV (SANTOS, 2002). Para que assim, os resultados não sejam interpretados como uma análise dos impactos ambientais totais referentes ao longo de toda a cadeia produtiva relacionada ao produto que está sendo analisado (MIETTINEN e HAMALAINEN, 1997).

Desta forma, os estudos de ACV são realizados através do desenvolvimento de modelos que descrevem os elementos mais relevantes do sistema físico de acordo com os objetivos do estudo (CHEHEBE, 1997).

Para melhor compreensão, a Figura 3 apresenta um modelo geral do sistema do produto a ser detalhado no estudo. Neste modelo são elencadas as entradas e saídas para cada unidade de processo dentro do sistema do produto.

Fonte: Adaptado de Tibor e Feldman (1996).
Figura 3 - Processo de Avaliação do Ciclo de Vida

Desta forma, o sistema é subdividido em um conjunto de unidades de processo, que conforme pode ser observado na Figura 3 encontram-se ligados ente si por fluxos de materiais ou energia.

Depois de definido os objetivos e escopo do estudo e detalhado o sistema do produto a próxima fase da ACV consiste na análise do inventario do ciclo de vida.

3.2 Análise do Inventário do Ciclo de Vida

A análise do inventário do ciclo de vida está relacionada com a coleta dos dados e procedimento de cálculo que tem como objetivo quantificar as entradas e saídas dos contornos do sistema do produto. Estes dados vão constituir a base para a avaliação do impacto do ciclo de vida do produto incluindo o uso de recursos e liberações no ar, na água e no solo, relacionado ao sistema do produto (ABNT, 2001).

Nesta fase da ACV são identificadas todas as entradas e saídas de cada unidade de processo a fim de avaliar quais são as mais significativas para a modelagem dos dados (COSTA, 2007). De acordo com Passuelo (2007), a análise de inventário deve incluir: preparação para coleta dos dados, coleta, validação e agregação dos dados.

Segundo a autora, a preparação para a coleta dos dados pode inclui a definição de quais dados serão primários e secundários, o preparo das planilhas de coleta e o treinamento do pessoal para a coleta dos dados.

Posteriormente, na etapa da coleta propriamente dita devem ser coletados dados qualitativos e quantitativos para cada unidade de processo que esteja dentro das fronteiras estabelecidas para o sistema do produto, a fim de ser incluído no inventário (ABNT, 2001).

A coleta dos dados pode ser feita mediante envio de questionário as empresas ou unidades da empresa que estão envolvidas no estudo. A fim de que estes questionários sejam compreendidos e a coleta das informações solicitadas seja atendida, alguns cuidados devem ser tomados, incluindo (CHEHEBE, 1997):

  • Desenho de fluxogramas específicos que mostrem todas as unidades de processo, incluindo as inter-relações existentes entre elas. (Este fluxograma pode ser baseado no fluxograma elaborado na etapa de estabelecimento dos limites do estudo);
  • Descrição detalhada de cada unidade de processo e a lista das categorias de dados associados a cada uma delas;
  • Elaboração de um glossário que defina as unidades de medidas utilizadas;
  • Descrição das técnicas utilizadas para a coleta e/ou cálculo dos dados para cada categoria de dados, para que desta forma os técnicos entendam que informações são necessárias para o estudo; e
  • Fornecimento de instruções aos técnicos locais sobre a necessidade de se documentar os casos especiais e irregularidades ou outros itens ligados com os dados fornecidos.

Posteriormente, os dados coletados são agrupados considerando as cargas ambientais ou os itens a serem avaliados, e na unidade funcional. Desta forma o produto do inventário do ciclo de vida é uma lista que contém os volumes consumidos de energia e de materiais e as quantidades de emissões poluentes ao meio ambiente (PEREIRA, 2008).  A Tabela 1 apresenta como exemplo os dados coletados para a quantificação dos aspectos ambientais para garrafas pet.

 

Fonte: Valt, 2004.
Tabela 1 - Quantificação dos aspectos ambientais para garrafas pet

Depois de realizados estes procedimentos obtêm-se os aspectos ambientais associados ao ciclo de vida do produto de forma quantificada. A tabela obtida após o tratamento dos dados poderá ser então avaliada para obtenção dos impactos ambientais associados ao ciclo de vida do produto em questão.

3.3 Avaliação de Impacto

A fase de avaliação de impacto do ciclo de vida (AICV) utiliza os resultados da análise do inventário para avaliar a significância dos impactos ambientais potenciais. De maneira geral, “este processo envolve a associação de dados de inventário com impactos ambientais específicos e a tentativa de compreender estes impactos”. A escolha dos impactos avaliados e das metodologias utilizadas bem como o nível de detalhes depende do objetivo e do escopo do estudo (ABNT, 2001, p.7).

A Norma ISO 14042, indica que a AICV pode incluir elementos obrigatórios e elementos opcionais. Os elementos obrigatórios englobam a seleção das categorias de impacto, classificação e caracterização, já os elementos opcionais englobam a normalização, agrupamento e ponderação.

De acordo com Chehebe (1997) “na etapa de seleção das categorias de impacto são identificados os grandes focos de preocupação ambiental, as categorias e os indicadores que o estudo utilizará”. 

A UNEP (2003) apresenta as categorias de impacto em que os dados do inventário podem ser classificados, separando-as em categorias de entrada e saída, relacionando a cada uma delas os possíveis indicadores gerados. Estas categorias estão apresentadas no Quadro 1.

Categorias de impacto

Possível indicador

Categorias relacionadas a Entrada

Extração de Recursos abióticos

Escassez de recursos

Extração de recursos bióticos

Escassez de recursos, considerando a taxa de reposição

Categorias relacionadas a saída

Mudanças climáticas

Kg de CO2 como unidade de equivalência para o potencial de Aquecimento Global

Destruição do ozônio estratosférico

Kg de CFC-11 como unidade de equivalência para o potencial de destruição do ozônio

Toxicidade humana

Potencial de toxicidade humana

Eco-toxicidade

Potencial de Eco-toxicidade

Formação de foto-oxidantes

Kg de eteno como unidade de equivalência para potencial de criação fotoquímica de ozônio

Acidificação

Liberação de H + como unidade de equivalência para o potencial de acidificação

Nutrificação

Total de macro-nutrientes como unidade de equivalência para o Potencial de Nutrification

Fonte: UNEP (2003)

Quadro 1 - Categorias de impactos e possíveis indicadores

Segundo o mesmo autor, o impacto das diferentes categorias terá conseqüência tanto sobre o meio ambiente quanto ao bem estar do ser humano em diferentes escalas, podendo ter influência global, regional ou local.  A figura 5 ilustra a abrangência que cada impacto representa.

Fonte: UNEP (2003)
Figura 5 – Abrangência impacto ambiental

Nas próximas etapas da AICV, classificação, os dados são selecionados e atribuídos a categoria de impactos específica, na caracterização, os dados do inventário são multiplicados por fatores de equivalência para cada categoria de impacto e por último, na ponderação, é feita a conversão dos resultados do indicador das diferentes categorias de impacto a uma mesma base (COLTRO, 2007).

Segundo Lobo (2000) a classificação e o agrupamento destas categorias são realizados de maneira que uma mesma informação da tabela de inventário pode ser incluída em mais de uma categoria de impacto. Para Silva e Kulay (2006) isso é possível devido ao fato de um mesmo aspecto ambiental poder contribuir para mais de uma categoria de impacto e que um impacto ambiental pode ter a contribuição de mais do que um aspecto ambiental.

Neste processo de classificação para os elementos do ICV que contribuem apenas para uma categoria de impacto é feita uma atribuição direta. Por exemplo: as emissões de dióxido de carbono (CO2) podem ser classificada na categoria aquecimento global. Já para os elementos do ICV que contribuem para duas ou mais categorias de impacto diferentes, o procedimento de classificação é feito de acordo com a regra descrita a seguir e estabelecida pela ISO 14047 (FERREIRA, 2004):

  • Mecanismo paralelo: quando os efeitos são dependentes uns dos outros, uma parte significativa dos resultados deve ser direcionada as categorias de impactos a que contribuem.
  • Mecanismo série: quando os efeitos são independentes uns dos outros, todos os resultados de ICV deve ser direcionado as categorias de impacto para as quais eles contribuem.

Para entender melhor esta classificação, vejamos o exemplo de USEPA (2001) apud Ferreira (2004, p. 41):

dado que uma molécula de SO2 pode ficar ao nível do solo ou viajar através da atmosfera, ela pode afetar ou a saúde humana ou a acidificação (mas não ambas ao mesmo tempo). Por isso, as emissões de SO2 devem tipicamente ser divididas entre aquelas duas categorias de impacte (50% afetas à saúde humana e 50% afetas à acidificação). Pelo contrário, dado que o dióxido de azoto NO2 pode potencialmente afetar a formação de ozônio fotoquímico e a acidificação ao mesmo tempo, a quantidade total de NO2 deve ser afetada a ambas as categorias de impacto (100% à formação de ozônio fotoquímico e 100% à acidificação).

De acordo com a ISO 14042 nesta etapa se os dados do ICV não estiverem disponíveis ou se a qualidade dos dados não forem suficientes para que a AICV alcance o objetivo e escopo estabelecido no início do estudo, torna-se necessário um ajustamento no objetivo e escopo do estudo.

Na caracterização, é feita a modelagem dos dados do inventário dentro das categorias de impacto, onde o efeito de cada item em cada categoria é quantificado utilizando fatores de equivalência ou fatores de caracterização (SANTOS, 2002).

De maneira geral, os fatores de equivalência dos contributos das diversas intervenções ambientais são estabelecidos por comparação com o seu efeito relativamente a uma intervenção ambiental de referência. Por exemplo, no caso do efeito de estufa, as intervenções ambientais são convertidas em equivalente de CO2 (SILVA, 2002). A Tabela 2 apresenta como exemplo a classificação de diversas intervenções ambientais na categoria de impacto ambiental de efeito de estufa.

Classe

Substância

Unidade

Kg de CO2 equivalente

Ar

CFC-13

kg

13000

Ar

CFC-12

Kg

7100

Ar

CFC (hard)

Kg

7100

Ar

CFC-114

Kg

7000

Ar

CFC-115

Kg

7000

Ar

CFC-116

Kg

6200

Ar

HALON-1211

Kg

4900

Ar

HALON-1301

kg

4900

Ar

CFC-113

Kg

4500

Ar

CFC-14

Kg

4500

Ar

HFC-143ª

Kg

3800

Ar

CFC-11

Kg

3400

Ar

HFC-125

Kg

3400

Ar

HCFC-142b

Kg

1800

Ar

HCFC-22

Kg

1600

Ar

CFC (soft)

Kg

1600

Ar

Tetrachloromethane

Kg

1300

Ar

HFC-134ª

Kg

1200

Ar

HCFC-141b

Kg

580

Ar

HCFC-124

Kg

440

Ar

N2O

Kg

270

Ar

HFC-152ª

Kg

150

Ar

1,1,1-trichloroethane

Kg

100

Ar

HCFC-123

Kg

90

Ar

Trichloromethane

Kg

25

Ar

dichloromethane

Kg

15

Ar

Methane

Kg

11

Ar

CO2

Kg

1

Fonte: Silva (2002)

 

 

Tabela 2 – Tabela de classificação relativa ao efeito de estufa (Kg CO2 equivalente)

Assim, segundo Coltro (2007) a modelagem dos dados é expressa na forma de um indicador numérico, obtido pela multiplicação dos dados do inventário pelos fatores de equivalência para cada categoria de impacto. Posteriormente, todos os parâmetros que compreendem cada categoria de impacto são somados.

3.4 Interpretação

De acordo com a ISO 14040 “a interpretação é a fase da ACV onde as constatações da análise do inventário e da avaliação de impacto são combinadas, de forma consistente, com o objetivo e o escopo definido, visando alcançar conclusões e recomendações” (ABNT, 2001, p.7).

As constatações do estudo são confrontadas com o objetivo e o escopo do estudo com a finalidade de analisar a qualidade da informação obtida e explicar as limitações do estudo realizado (COSTA, 2007).  Desta forma, as constatações desta interpretação podem se transformar em conclusões e recomendações úteis para os gestores, de forma consistente com o objetivo e o escopo do estudo (ABNT, 2001).

A fase de interpretação da ACV compreende três etapas (CHEHEBE, 1997; FERREIRA, 2004):

  • Identificação das questões ambientais mais significativas tendo como base os resultados obtidos nas fases de ICV ou AICV.
  • Avaliação da integridade (plenitude), sensibilidade e consistência;
  • Conclusões, recomendações e relatório referentes as questões ambientais significativas.

O estudo de ACV é iterativo, assim as informações obtidas nesta última fase podem afetar as fases anteriores. Neste caso, as novas informações obtidas devem ser consideradas e as fases iniciais devem ser re-trabalhadas. Por esse motivo, é comum em estudos de ACV as fases serem trabalhadas paralelamente (COLTRO, 2007).

Segundo Valt (2004) as conclusões obtidas após a análise dos resultados possibilitam a identificação de pontos críticos do ciclo de vida do produto que necessitam de melhorias, permitindo a implementação de estratégias de produção, como a substituição e recuperação de materiais e a reformulação ou substituição de processos, visando a preservação ambiental.

Desta forma, a ACV fornece informações que podem ser utilizadas para trazer alguns benefícios para a organização. Contudo, a aplicação da ACV ainda apresenta algumas limitações.  Estes dois pontos serão discutidos a seguir


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